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As controvérsias jurídicas em torno da indicação de Carolina Cerqueira para representar João Lourenço em Moçambique

Política
O que está em causa?
A Presidente da Assembleia Nacional, Carolina Cerqueira, representou o Presidente da República, João Lourenço, nas comemorações dos 50 anos de independência de Moçambique, assinalados no dia 25 de Junho.
© Agência Lusa / Ampe Rogério

A informação de que Carolina Cerqueira se deslocou a Maputo, Moçambique, em representação do Chefe de Estado de Angola consta de uma nota divulgada no dia 24 de Junho, pelo Departamento de Comunicação Institucional da Assembleia Nacional. No comunicado é anunciado o desembarque em Maputo da líder da Casa das Leis, um dos órgãos de soberania de Angola, conforme estabelece a Constituição da República.

Contudo, este facto está a gerar controvérsia no meio académico, sobretudo entre juristas que questionam a legalidade da decisão. Há quem defenda que o Presidente da República incorreu numa ilegalidade constitucional ao indicar a Presidente de outro órgão de soberania para o representar, invocando, para tal, o princípio da separação de poderes.

Os defensores desta tese recordam que, de acordo com o artigo 105.º da Constituição da República de Angola, a Assembleia Nacional é um órgão de soberania, ao mesmo nível que o Presidente da República e os Tribunais, sendo, portanto, independente do Poder Executivo.

O jurista Serrote Hebo é uma das vozes que apontam uma alegada violação constitucional na decisão do Presidente da República. Para Hebo, este acto contém um claro indício de hierarquização institucional, contrariando os princípios constitucionais.

“Nos termos da Constituição, as matérias de relações internacionais são da competência do Presidente da República, conforme estabelece o artigo 121.º. Isto significa que, estando indisponível, o Presidente deve delegar essa função na Vice-Presidente da República — que faz parte do Executivo — e, na ausência desta, num ministro de Estado, ministro ou secretário de Estado”, defende o jurista.

Já o constitucionalista Albano Pedro apresenta uma visão distinta. O académico reconhece que pode haver violação constitucional, caso se interprete que o Presidente actuou estritamente na qualidade de Titular do Poder Executivo (TPE). Contudo, discorda dessa leitura se a análise for feita à luz das funções do Presidente enquanto Chefe de Estado, alertando que são papéis distintos.

Para sustentar a sua posição, Albano Pedro invoca o n.º 3 do artigo 132.º da Constituição que prevê que, em caso de impedimento definitivo simultâneo do Presidente da República e do Vice-Presidente, é o Presidente da Assembleia Nacional quem assume interinamente as funções de Chefe de Estado.

“Em Direito costuma dizer-se que quem pode mais, pode menos. Portanto, se a Presidente da Assembleia tem competência para substituir o Presidente da República em situação de impedimento definitivo, também pode, perfeitamente, representá-lo em actos protocolares. Não vejo qualquer inconstitucionalidade”, argumenta.

Albano Pedro sublinha ainda que não tem conhecimento da existência de uma norma que defina, de forma clara e específica, quem deve representar o Presidente da República em eventos internacionais na sua ausência.

Na mesma linha de pensamento, o jurista Almeida Lucas Chingala considera que não houve violação da separação de poderes. Para o académico, Carolina Cerqueira não se deslocou a Moçambique em representação da Assembleia Nacional, nem para exercer funções parlamentares, mas sim por mandato directo do Chefe de Estado, no âmbito das suas atribuições protocolares.

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