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É verdade que há hospitais com orçamento quase equivalente ao de algumas províncias?

EconomiaSociedade
O que está em causa?
Em debate no programa O Estado da Nação, da Rádio MFM, o especialista em Gestão Pública e Governação, Denilson Duro, criticou o actual modelo de gestão das unidades hospitalares do país. Segundo o analista, Angola poderia reduzir substancialmente a sua dependência de apoios da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), caso existisse uma gestão criteriosa dos recursos públicos afectos ao sector da saúde. Denilson Duro chegou mesmo a afirmar que há hospitais em Angola com orçamentos equiparáveis aos de algumas províncias.

Angola enfrenta actualmente um surto de cólera que, segundo a Rádio MFM, registou mais de 300 casos num só dia, na semana passada. Esta conjuntura, agravada pela recente decisão dos EUA de se retirarem da OMS e de procederem a cortes orçamentais na USAID — cuja contribuição representou cerca de 18% do orçamento da OMS para o biénio 2024-2025 — levou a estação radiofónica a organizar, no sábado, um debate sobre os Desafios do Sistema Nacional de Saúde.

A saída dos EUA da OMS e os cortes na USAID deverão ter impacto negativo no combate a várias endemias em países que dependem fortemente da ajuda internacional. Como exemplo desta dependência, na sexta-feira, 30 de Maio, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, deslocou-se ao Tômbwa, na província do Namibe — actualmente o epicentro do surto de cólera — para distribuir vacinas doadas pela OMS.

Esta realidade parece indignar Denilson Duro, que reiterou ser possível garantir maior autonomia nacional, caso os recursos do sector fossem bem geridos. Recorrendo a uma linguagem popular, o especialista afirmou que existem hospitais em Angola que, “em termos orçamentais, vão taco a taco com algumas províncias”.

Mas será esta afirmação verdadeira?

Embora Denilson Duro não tenha indicado o ano económico de referência para a comparação, a análise feita pelo Polígrafo África recorreu ao Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2025. Importa referir que, na verificação efectuada, optou-se por não considerar as rubricas referentes a construção, reabilitação e apetrechamento de hospitais, por não traduzirem despesas correntes anuais.

Na leitura exclusiva do OGE 2025, não foi possível identificar qualquer unidade hospitalar com um orçamento semelhante ou próximo ao de uma província. Contudo, há rubricas agregadas que, no seu total, superam os orçamentos de algumas províncias — o que pode dar origem a confusões, uma vez que se tratam de dotações globais para múltiplas instituições ou serviços, e não de valores atribuídos a hospitais individualizados.

Por exemplo, na rubrica “Serviços Hospitalares Gerais”, a dotação prevista é de 679,7 mil milhões de kwanzas, um valor superior ao orçamento da província de Benguela, que é de 539,6 mil milhões de kwanzas — o segundo mais elevado, depois de Luanda, que conta com 2,3 biliões de kwanzas. No entanto, essa verba destina-se a um conjunto alargado de serviços hospitalares e não a uma única unidade.

Já na rubrica “Serviços de Centros Médicos e de Maternidade”, o orçamento é de 211,9 mil milhões de kwanzas — valor superior ao da província do Moxico (74,5 mil milhões de kwanzas), mas, mais uma vez, trata-se de um agregado, e não de uma dotação para um hospital específico.

Quanto às unidades hospitalares individualmente consideradas, os dados orçamentais por órgão revelam, por exemplo, que o Hospital Central de Cabinda tem uma dotação de 12,2 mil milhões de kwanzas, enquanto o Hospital do Prenda conta com 13,5 mil milhões. Nenhuma das 18 províncias tem um orçamento inferior a estes valores. A província com a menor dotação orçamental— o Cuando Cubango — dispõe de 57,8 mil milhões de kwanzas, quase quatro vezes mais do que o hospital com o orçamento mais elevado identificado.

Em suma, os dados disponíveis não sustentam a afirmação de que existem hospitais em Angola com orçamentos equiparáveis aos de províncias, pelo menos no exercício económico de 2025. A comparação carece de precisão e pode induzir em erro, sobretudo quando não é especificado o critério nem o ano a que se refere.

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Avaliação do Polígrafo África: 

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