“José Eduardo dos Santos praticamente foi obrigado a deixar a Presidência do partido [MPLA] por causa deste factor [o de o Chefe de Estado não ser o Presidente do partido] e hoje, como João Lourenço já não pode se candidatar como Presidente da República [em 2027], querem mudar os Estatutos”, escreveu um internauta, reagindo ao anúncio de ajustes nos Estatutos do MPLA, feito por João Lourenço, na qualidade de presidente do MPLA, na abertura da 7.ª sessão ordinária do Comité Central do partido, no dia 25 de Novembro.
O tão aguardado ajuste estatutário deverá ser realizado no VIII Congresso Extraordinário, reagendado para os dias 16 e 17 de Dezembro.
De acordo com o comunicado final da 7.ª sessão do Comité Central (CC), a que o Polígrafo África teve acesso, o conclave extraordinário deverá discutir os seguintes temas: “MPLA – da independência aos nossos dias”; “os desafios do futuro”; e “os ajustamentos aos Estatutos do partido”.
De referir que não é nova a informação de que a Direcção dos “camaradas” tenciona alterar os Estatutos da organização, com o objectivo de descontinuar o espírito e a letra do artigo 120.º dos Estatutos vigentes que determinam que, em caso de eleições gerais, o “Presidente do partido encabeça a lista de candidatos” a deputados pelo círculo nacional, sendo o “candidato a Presidente da República”, visando substituir essa norma pela prevista nos Estatutos anteriores, em que se atribuía ao Comité Central a competência de deliberar sobre quem deve ser o candidato a Presidente da República.
E foi neste modelo do passado que João Lourenço foi o cabeça-de-lista do MPLA nas eleições de 2017, embora José Eduardo dos Santos ainda tenha estado à frente da Presidência do partido.
Após ter vencido as referidas eleições gerais daquele ano, João Lourenço, já na qualidade de Presidente da República, e titular do poder executivo, era inferior hierárquico de José Eduardo dos Santos ao nível do MPLA.
Entretanto, nas redes sociais aponta-se que importantes quadros entre os “camaradas” defenderam o afastamento urgente de José Eduardo dos Santos da presidência do MPLA, visando permitir que João Lourenço governasse sem entraves.
Essa narrativa tem fundamento?
Sim. Por exemplo, em notícia da “Voz da América“, datada de 28 de Janeiro de 2018, intitulada “Figuras do MPLA não querem José Eduardo dos Santos ‘a barrar’ João Lourenço”, sublinha-se que o general António França “Ndalu” encabeçou um grupo de proeminentes figuras do MPLA que pediu a saída de José Eduardo dos Santos da liderança do partido, por entender ter sido, na altura, um factor de obstáculos a João Lourenço, tendo para o efeito sugerido a realização urgente de um Congresso para mudar o cenário.
Nessa notícia não desmentida pela Direcção do MPLA, nem pelos envolvidos, refere-se que Lopo de Nascimento, actual administrador não-executivo da petrolífera estatal Sonangol, terá mesmo dito que “dois galos não cabem no mesmo poleiro”.
De acordo com a “Voz da América”, que cita o jornal “Expresso” (de Portugal), além de Lopo do Nascimento, antigo secretário-geral do MPLA (e Primeiro-Ministro de Angola entre 1975 e 1978), fizeram parte do grupo os nacionalistas João Luís Neto “Xietu”, André Pita “Petroff” e Alexandre Rodrigues “Kito”.
Numa entrevista concedida ao “Jornal de Angola”, em Março de 2018, Santana André Pitra “Petroff”, primeiro comandante da Polícia Nacional de Angola pós-independência, defendeu a transferência urgente da liderança do partido de José Eduardo dos Santos para João Lourenço.
Recuando no tempo até 2016, foi o próprio então Presidente José Eduardo dos Santos (já falecido) quem garantiu, durante a abertura da 11.ª Sessão Ordinária do CC do partido, que abandonaria a vida política activa em 2018. Mas depois pretendeu alargar o prazo, o que não lhe foi permitido pelos seus “camaradas” que o colocaram sob pressão máxima.
Em Março de 2018, numa reunião do CC, José Eduardo dos Santos propôs a realização do “Congresso da transição” para Dezembro daquele ano ou Abril de 2019. No entanto, como está registado neste vídeo, os seus “camaradas” rejeitaram a sugestão, tendo o conclave ocorrido em Setembro de 2018.
Constata-se assim que toda a pressão feita para que José Eduardo dos Santos se afastasse da liderança do MPLA foi com o propósito de permitir que João Lourenço pudesse governar sem a intromissão de um chefe partidário que, não estando pessoalmente de acordo com as suas opções governativas, pudesse criar entraves.
Contudo, se os Estatutos do MPLA forem alterados no sentido de o Presidente do partido não ser necessariamente o candidato a Presidente da República, o imbróglio reportado pode voltar a ensombrar o Executivo que vier a sair das eleições de 2027, caso o MPLA volte a ser o vencedor.
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Avaliação do Polígrafo: