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Geraldo Martins: “Daqui a dois meses na Guiné-Bissau não haverá um Presidente da República eleito”

Política
O que está em causa?
Antigo Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau avisa que "daqui a dois meses", o seu país "não terá um Presidente" por vontade do povo, tendo em conta que o mandato de Umaro Sissoco Embaló termina em Fevereiro.
© Agência Lusa / António Cotrim

“Não há a Assembleia Nacional Popular a funcionar, um Governo legítimo que é a expressão da vontade popular, instituições como o Supremo Tribunal de Justiça, a Comissão Nacional de Eleições partidas e daqui a dois meses não haverá um Presidente da República eleito”, lamentou Geraldo Martins, antigo Primeiro-ministro da Guiné-Bissau (entre Agosto e Dezembro de 2023), durante o acto de encerramento do ano político de 2024, organizado pela Juventude Africana Amílcar Cabral (JAAC), em colaboração com a União Democrática das Mulheres.

Na sua comunicação, o também vice-presidente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) fez um balanço vincadamente negativo sobre a situação democrática e de Estado de Direito na Guiné-Bissau, tendo enumerado vários factores que não só maculam a imagem do país, como também atrofiam a vida das populações, com destaque para o afastamento do presidente da Assembleia Nacional Popular, o encerramento do Parlamento, a proibição das manifestações, bem como a não realização de eleições – quer legislativas, quer presidenciais.

“Se alguém tomar uma decisão de derrubar o Parlamento, deve cumprir a lei, marcando, dentro de 90 dias, as eleições, de acordo com a Constituição da República, devolvendo o poder ao povo. Infelizmente, isso não foi o caso, porque tem consciência clara de que o povo escolheria o mesmo partido”, afirmou Martins, cujo consulado como Primeiro-Ministro durou menos de cinco meses por decisão do Presidente Umaro Sissoco Embaló, apesar de ter sido um Governo de maioria absoluta por vontade popular expressa nas urnas nas eleições de Junho de 2023.

É verdade que, se não se realizarem eleições presidenciais, a Guiné-Bissau arrisca-se a ter um Presidente fora dos marcos constitucionais?

A Constituição da República da Guiné-Bissau determina no ponto 1 do Artigo 66.° que “o mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos“.

Por sua vez, a Lei Eleitoral recomenda no seu Artigo 3.°, com a epígrafe: “Marcação da data das eleições”, que “compete ao Presidente da República, ouvido o Governo, os Partidos Políticos e a Comissão Nacional de Eleições, marcar as datas das eleições presidenciais e legislativas, por decreto presidencial, com antecedência de 90 dias”. No caso de as eleições – quer presidenciais, quer legislativas – não ocorreram como resultado da “dissolução da Assembleia Nacional Popular e da vacatura do cargo do Presidente da República, as eleições realizam-se entre os dias 23 de Outubro e 25 de Novembro do ano correspondente ao termo da legislatura e do mandato presidencial”.

No Artigo 182.º, o diploma reforça que “o Presidente da República toma posse no último dia do mandato do seu antecessor (…)”. Entretanto, importa referir que Umaro Sissoco Embaló ocupa o cargo de Presidente da República desde 27 de Fevereiro de 2020. Nos cálculos constitucionais o seu mandato termina no mesmo período deste ano de 2025. Na perspectiva de vários juristas bissau-guineenses – questionados pelo Polígrafo África sobre esta matéria -, as eleições tinham de ser realizadas em Novembro de 2024, visando permitir a posse do sucessor ou a sua própria posse, caso concorresse e fosse reeleito.

Em declarações ao Polígrafo África, o académico Bubacar Turé, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, sublinhou que a “permanência no poder” de Sissoco Embaló “além de 27 de Fevereiro de 2025 será ilegítima e inconstitucional”.

“Tendo em consideração que o actual Chefe de Estado foi investido nestas funções no dia 27 de Fevereiro de 2020, as eleições presidenciais devem imperativamente ser organizadas em 2024, permitindo a realização da provável segunda volta antes do fim do seu mandato. Aliás, a lei eleitoral prevê que as eleições presidenciais devem ocorrer três meses antes do fim do mandato”, lembrou o jurista.

No mesmo diapasão, o jurista e docente universitário Robson Silvano defendeu que as eleições presidenciais na Guiné-Bissau deviam ser realizadas em 2024, em respeito à Lei Eleitoral e à Constituição da República.

Silvano ressalvou que há na Guiné-Bissau alguns juristas que defendem que, tendo em conta que o mandato do Presidente termina em Fevereiro de 2025, realizarem-se eleições presidenciais em 2024 seria um acto de “encurtamento do mandato” presidencial. Como tal, advogam eleições para 2025.

“Só que nesta situação, a questão é o poder que o Presidente deverá exercer. E não se pode chamar à colação o poder de Presidente interino (…) e este exercício [de permanência no poder depois de Fevereiro de 2025] não corresponderá à vontade do povo”, argumentou o docente que, por outro lado, observou que não haveria nenhum tipo de encurtamento do mandato presidencial caso as eleições fossem realizadas em 2024, tendo em conta que o Chefe de Estado iria permanecer no cargo até a tomada de posse do seu sucessor.

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Avaliação do Polígrafo África:

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