“Sou guineense, afirmo que com este regime [de Umaro Sissoco Embaló] no poder, a Guiné-Bissau não está em condições de assumir a Presidência rotativa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)”, sublinha-se neste post no Facebook, motivando vários comentários que apontam no mesmo sentido.
“Certo. Como é que um país onde não há democracia pode assumir uma organização democrática? Onde o tráfico de droga é um comércio legal para os ocupantes das nossas instituições da República? Acho que, face à obrigação da legalidade e democracia, não devemos assumir a governação na CPLP”, reagiu outro internauta.
Estas mensagens contra a possibilidade de a Guiné-Bissau vir a presidir à CPLP, já em 2025, como ficou determinado na 14.ª Conferência de Chefes de Estado e de Governos da CPLP, surgem em reacção aos últimos acontecimentos no país, em que o presidente da Assembleia Nacional Popular foi afastado do cargo, ao arrepio da lei. Além do facto de o Chefe de Estado ainda não ter convocado as eleições presidenciais para este ano de 2024, apesar de o seu mandato estar na recta final.
De referir que o secretário-executivo da CPLP, Zacarias da Costa, também manifestou preocupação face à situação na Guiné-Bissau e sublinhou ser um assunto que a CPLP está a seguir. Anteriormente, Xanana Gusmão, actual Primeiro-Ministro de Timor-Leste, já sublinhara ter “dúvidas sobre se a Guiné-Bissau tem condições para assumir a presidência rotativa da CPLP”.
Mas, de acordo com as regras em vigor, será que a situação da Guiné-Bissau não lhe permite assumir a Presidência da CPLP?
A CPLP é presidida rotativamente por um dos Estados-membros num mandato de dois anos. Presentemente está a ser administrada por São Tomé e Príncipe que deverá, como anunciou o Conselho de Ministros da instituição, passar a Presidência para a Guiné-Bissau, em 2025.
Desde a sua concepção, a CPLP tem procedido a alterações dos seus estatutos, visando adaptá-los ao contexto mundial e dos seus países membros, sendo que para determinado estatuto entrar em funcionamento deve ser ratificado por todos.
Apesar de ter ocorrido uma alteração estatutária em 2023, continuam ainda a vigorar os estatutos de 2007 que, na prática, revogaram as revisões de São Tomé/2001, Brasília/2002, Luanda/2005, e Bissau/2006.
Além da revisão estatutária de 2023, houve as revisões de 2012 e 2017, mas ainda não foram ratificados por todos. Os estatutos de 2023, ratificados apenas por Portugal e São Tomé e Príncipe, prevêem no seu Artigo 7.º medidas sancionatórias para os Estados-membros, que podem ocorrer em “caso de violação grave da ordem constitucional” ao nível interno num dos Estados. Neste caso, os “demais Estados-membros promoverão consultas visando a reposição da ordem constitucional”, sendo que o “Conselho de Ministros decidirá, com carácter de urgência, sobre as medidas sancionatórias a aplicar, que podem abranger desde a suspensão de participação no processo de decisão em órgão específico à suspensão total de participação nas actividades da CPLP”.
Diferente desses estatutos, o diploma de 2007 ainda em vigor não prevê sanções.
Os estatutos em causa, embora definam como princípios orientadores da CPLP a democracia e respeito pelos direitos humanos e da justiça social, elege igualmente como seus princípios a igualdade soberana dos Estados-membros; a não ingerência nos assuntos internos de cada Estado; respeito pela sua identidade nacional; reciprocidade de tratamento; o primado da Paz; entre outros princípios.
Entretanto, é o princípio de não ingerência nos assuntos internos dos Estados-membros que tem sido evocado para que não se trave a possibilidade de a Guiné-Bissau dirigir a CPLP.
Numa entrevista concedida à DW, em finais de Setembro deste ano, João Soares, antigo ministro da Cultura de Portugal, defendeu a Presidência da Guiné-Bissau na CPLP, tendo referido que a instituição “existe para assegurar uma coordenação entre os países que têm a língua portuguesa e uma cooperação que se deve inclinar sempre para o respeito dos direitos humanos e para as regras democráticas básicas”. Mas quando tal não é possível, sublinhou, “a cooperação deve manter-se”.
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Avaliação do Polígrafo África: