O programa radiofónico, dedicado ao tema “Os Desafios da Justiça em Angola em 50 anos de Independência”, contou com a participação dos juristas José Rodrigues, Mário Aragão e Nilton Capalo. A discussão foi marcada por posições divergentes: há quem tenha defendido a existência de uma clara separação de poderes entre o Executivo e o Judicial, enquanto outros consideraram que essa separação é meramente formal.
José Rodrigues é um dos que sustenta que, embora exista uma separação de poderes do ponto de vista legal, na prática tal não se verifica.
Entre outras considerações, o académico afirmou que o combate à corrupção, intensificado desde a chegada de João Lourenço à Presidência da República, “tem sido selectivo”. Como exemplo dessa alegada selectividade, referiu que o Chefe de Estado denunciou publicamente a então presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gambôa, por tentativa de suborno a auxiliares do Executivo, mas não teve idêntica atitude em relação ao juiz presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, sobre o qual recaem suspeitas de transferências monetárias irregulares para contas pessoais, bem como outros juízes daquele tribunal superior.
Mas será verdade que o Presidente João Lourenço acusou publicamente a antiga presidente do Tribunal de Contas de tentativa de suborno a membros do Governo?
Os registos disponíveis na página oficial da Presidência da República de Angola mostram que João Lourenço fez, de facto, uma denúncia pública contra Exalgina Gambôa. Contudo, o termo utilizado não foi “suborno“, mas sim “extorsão“. O Chefe de Estado abordou o tema no dia 22 de Março de 2023, em discurso proferido na cerimónia de posse de oito juízes do Tribunal Supremo, realizada no Palácio Presidencial.
Na sua intervenção, Lourenço reconheceu que a Justiça angolana atravessava um momento conturbado, em virtude dos escândalos de corrupção que envolviam tribunais superiores, tendo destacado o papel do Ministério Público no esclarecimento dos factos.
O Presidente referiu que, “contudo, vieram a descobrir-se, mais tarde, factos irrefutáveis muito mais graves que os na denúncia pública, imputáveis à mesma juíza conselheira [Exalgina Gambôa], e que apontam para a tentativa de extorsão ao ministro da Energia e Águas e a convocação, no seu gabinete, do ministro dos Recursos Minerais e Petróleos, para lhe pedir 1% do capital social da Refinaria do Lobito, como se isso fosse normal e possível na Angola de hoje, que juntos estamos a edificar, tendo a luta contra a corrupção e a impunidade como nossa bandeira.”
Lourenço revelou ainda que, no uso das suas prerrogativas constitucionais, convidou a juíza a renunciar ao cargo.
Apesar desses pronunciamentos, a então presidente do Tribunal de Contas manteve-se de “pedra e cal” no cargo durante quase uma semana. Tal facto motivou uma reacção da Presidência da República que, em nota datada de 27 de Fevereiro do mesmo ano, lamentou a não renúncia de Exalgina Gambôa e reiterou que Angola é um Estado democrático de Direito.
Contudo, no início de Março de 2023, Exalgina Gambôa apresentou o seu pedido de demissão ao Presidente da República, com conhecimento ao Conselho Superior da Magistratura Judicial.
Em suma, a avaliação do Polígrafo África é “Verdadeiro, mas…”. Lourenço fez, de facto, uma denúncia pública contra a então presidente do Tribunal de Contas. No entanto, não a acusou de tentativa de suborno, como referiu o jurista José Rodrigues, mas sim de extorsão. Importa distinguir os dois conceitos: o suborno consiste em oferecer dinheiro ou bens a alguém com o objectivo de influenciar determinada acção; ao passo que a extorsão envolve a obtenção de vantagens através de ameaça, coacção ou intimidação.
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Avaliação do Polígrafo África: