Diferentemente de outras realidades democráticas, a CNE – instituição que organiza as eleições em Angola, não é uma entidade independente – é um órgão cuja composição, de acordo com a Lei Orgânica sobre a Organização e o Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral, é aprovada na Assembleia Nacional, sob proposta dos partidos e/ou coligações políticas com assento parlamentar, de acordo com a proporcionalidade resultante do escrutínio eleitoral.
Ao todo, o colégio é composto por 17 membros, sendo o presidente um magistrado judicial eleito através de um concurso curricular e designado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial – e os outros 16 membros advêm das escolhas partidárias que depois são chanceladas pelo Parlamento.
O órgão máximo da CNE é o plenário, constituído por todos os membros a quem incumbe, em geral, por via do voto, deliberar sobre todas as matérias reservadas por lei à Comissão Nacional Eleitoral. E é essa perspectiva de voto sobre as decisões que está a gerar a discórdia entre o MPLA e a UNITA, dado que o maior partido na oposição entende que o MPLA pretende manter-se como maioria na CNE para continuar a ter superioridade na hora da votação sobre determinados assuntos ligados às eleições.
A situação está tensa. A UNITA, partido liderado por Adalberto Costa Júnior, abandonou a sessão parlamentar que visava votar sobre a composição da CNE, face à prevalecente vontade da maioria que acabou por atribuir ao MPLA nove comissários para a CNE, quatro para a UNITA, e um comissário cada para a FNLA, PRS e PHA.
Insatisfeitos, ao abandonarem a sala, os deputados da UNITA não foram para casa. Organizaram-se e realizaram uma marcha de protesto nas ruas da Baixa da cidade.
Face aos resultados eleitorais de 2022, em que subiu de 51 deputados para 90, a UNITA entende que tem legalmente direito a maior representação na CNE – pelo menos sete comissários.
Entretanto, tendo em conta a agitação política que o assunto está a gerar em Angola, vários leitores questionam se a lei é ou não clara quanto à distribuição de representação política na CNE.
A resposta é que não. A lei é ambígua.
Na sua fundamentação, a UNITA recorda que em 2017, quando obteve 34% dos votos nas eleições gerais, passou de três para quatro assentos na CNE. Pelo que não é crível que tenha o mesmo número agora que possui 90 deputados, ou seja, 44% dos votos.
Independentemente disso, a UNITA reconhece que a lei sobre a matéria “não é taxativa” e acusa o MPLA de estar a fazer uma “interpretação abusiva e incorrecta”. Mais, sugere que se faça recurso à “Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais, que estabelece o modo de distribuição dos mandatos (…) pelo método de Hondt”.
Já o MPLA, através do jurista e deputado Milonga Bernardo, refere que a UNITA fala, mas “não mostra a disposição legal” que sustente sua fundamentação.
Entre outras perspectivas, o deputado aconselhou às pessoas a consultarem a Lei 12/12 de 13 de Abril, que determina apenas que na composição da CNE deve ser observado o princípio da maioria em respeito também às minorias.
“E a questão que colocamos aqui é a seguinte: quando olhamos para a composição da nossa Assembleia Nacional, onde é que encontramos a maioria? No grupo parlamentar do MPLA (…). E as minorias faz referência à totalidade dos deputados que estão na oposição, onde a UNITA é uma das partes das minorias. O exercício aqui é simples. Se o grupo parlamentar do MPLA, (…) a maioria, indicar oito representantes para a CNE e o total dos partidos na oposição também indicarem oito, como a UNITA fez referência num primeiro momento, nós temos maioria? Há aqui uma violação da lei”, considerou.
De referir que a Lei Orgânica sobre a Organização e o Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral indica no seu artigo sétimo, com a epígrafe “Composição da Comissão Nacional Eleitoral”, que a CNE é composta por “dezasseis cidadãos designados pela Assembleia Nacional, por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, sob proposta dos partidos políticos e coligações de partidos políticos com assento parlamentar, obedecendo aos princípios da maioria e do respeito pelas minorias parlamentares”.
Portanto, atribuímos o selo “Verdadeiro” – o que significa que a Lei sobre a matéria não é devidamente clara sobre a divisão para a composição da CNE.
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Avaliação do Polígrafo África: