A não institucionalização das autarquias, três décadas após o início da era democrática em Angola, continua a ser um tema central de debate político, sobretudo entre o partido no poder, o MPLA, e a maior força da oposição, a UNITA, que exige a sua implementação com urgência.
Em entrevista publicada esta terça-feira, 27 de Maio, Ernesto Mulato acusou o MPLA de estar a criar entraves à realização das eleições autárquicas, criticando o que descreve como uma postura evasiva por parte dos sucessivos presidentes da República, que têm multiplicado promessas sem resultados concretos.
O debate em torno das autarquias ganhou maior visibilidade a partir de 2010, com a entrada em vigor da nova Constituição da República, que consagra o princípio do gradualismo para a sua implementação. Já em 2011, o então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, convocou o Conselho da República para auscultar os seus membros quanto à possibilidade de realização das primeiras eleições autárquicas em 2013 ou 2014.
Na altura, José Eduardo dos Santos considerava necessário, antes da concretização das autarquias, clarificar várias questões fundamentais, como a conveniência da sua realização imediata ou em 2014, e se estas deveriam ocorrer simultaneamente em todos os municípios ou de forma faseada. Contudo, no seu discurso sobre o Estado da Nação em 2014, o antigo Chefe de Estado afastou essa possibilidade, afirmando que a implementação das autarquias “levará o seu tempo”, por se tratar de um “assunto muito sério”.
Em 2018, já sob a presidência de João Lourenço, o Conselho da República voltou a ser convocado para analisar a proposta de realização das eleições autárquicas em 2020. A proposta foi aceite por todos os membros presentes, e, no ano seguinte, o Conselho de Ministros aprovou um conjunto de diplomas que integram o pacote legislativo autárquico. No entanto, as eleições não chegaram a realizar-se, o que levou a oposição a acusar o Executivo de adiar o processo por receio de “partilhar o poder”. João Lourenço rejeitou tais acusações, argumentando que, na verdade, nunca chegou a convocar formalmente as eleições autárquicas.
É verdade que a Lei Constitucional de 1992 já previa a criação de autarquias?
Sim. Aprovada pela então Assembleia do Povo — órgão herdado do sistema monopartidário — a Lei Constitucional n.º 23/92, de 16 de Setembro, determinava no seu artigo 145.º que a organização do Estado, a nível local, devia compreender “a existência de autarquias locais e de órgãos administrativos locais”.
O artigo 146.º da mesma Lei definia as autarquias locais como “pessoas colectivas territoriais que visam a prossecução de interesses próprios das populações, dispondo para o efeito de órgãos representativos eleitos e da liberdade de administração das respectivas colectividades”.
Contudo, a lei remetia a definição da constituição, organização, competências, funcionamento e poder regulamentar das autarquias locais para legislação específica a ser aprovada posteriormente. Esta legislação complementar nunca chegou, até hoje, a ser formalmente adoptada, o que inviabilizou, na prática, a institucionalização do poder local autárquico em Angola.
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Avaliação do Polígrafo África: