“Com o esfriamento das relações com os EUA, tendo em conta a mudança de liderança na Casa Branca, João Lourenço passa ao ataque e decide apoiar a Palestina na guerra contra Israel”, lê-se numa mensagem amplamente partilhada em diferentes grupos da plataforma WhatsApp, a propósito das recentes declarações do Presidente de Angola.
João Lourenço participou na Cimeira Extraordinária da Liga Árabe na qualidade de Presidente em exercício da União Africana (UA), no dia 4 de Março, tendo manifestado apoio e solidariedade em relação à causa palestiniana. O chefe de Estado reiterou o reconhecimento das fronteiras palestinianas anteriores a 4 de Junho de 1967, data da Guerra dos Seis Dias, cujo desfecho levou Israel a ocupar a Península do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, as Colinas de Golã e a zona oriental de Jerusalém.
Também condenou o ataque do Hamas contra Israel a 7 de Outubro de 2022 e apelou às autoridades israelitas para permitirem a abertura de corredores humanitários, em face da crise resultante do conflito. O Presidente angolano defendeu ainda o “regresso dos mais de dois milhões de palestinianos refugiados no exterior e internamente deslocados” e repudiou “quaisquer tentativas de deslocalização do povo palestiniano dos seus territórios, a contínua política de expansão dos colonatos e a ocupação e anexação ilegal de terras pertencentes à Palestina”.
A posição de Lourenço contrasta com a dos Estados Unidos da América (EUA), cujo Presidente Donald Trump defendeu a deslocação dos palestinianos para países vizinhos, com o objectivo de criar uma pretensa “Riviera do Médio Oriente“. Esta divergência quanto à resolução do conflito israelo-palestiniano tem sido interpretada como uma mudança de posição do Presidente de Angola, supostamente influenciada pelo distanciamento entre Luanda e Washington DC desde o regresso de Trump à Casa Branca.
Durante a Administração de Joe Biden, as relações entre Angola e os EUA atingiram um nível de aproximação histórica, com convergências em várias questões internacionais, incluindo a guerra russo-ucraniana.
Mas terá Lourenço realmente mudado a sua abordagem ao conflito no Médio Oriente, passando a apoiar a Palestina?
A resposta é não. Apesar da cooperação em vários domínios entre Angola e Israel, os factos demonstram que Lourenço tem mantido uma posição consistente sobre o conflito, defendendo a criação do Estado da Palestina, conforme estabelecido na Resolução 181 da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1947.
Por exemplo, em Setembro do ano passado, três meses antes da visita de Joe Biden a Angola, o Presidente angolano discursou na 79.ª Assembleia Geral da ONU e apelou à comunidade internacional para não ficar indiferente perante o que classificou como “ameaça à existência do povo palestiniano”. Lourenço defendeu a criação de um Estado palestiniano como solução para o impasse, mesmo contrariando a posição do seu então parceiro e homólogo norte-americano.
Um ano antes, no seu discurso sobre o Estado da Nação, na Assembleia Nacional, reforçou esse apelo, sublinhando que os palestinianos tinham o mesmo direito que o povo israelita a um Estado soberano.
Na sua visita à China, em Março de 2024, Lourenço reiterou essa posição ao lado de Xi Jinping, apelando ao fim dos colonatos israelitas e à criação de um Estado palestiniano internacionalmente reconhecido.
Em 2019, quando cumpria o segundo ano do seu primeiro mandato, Lourenço discursou na Duma Estatal, a Assembleia Federativa da Rússia, e defendeu o cumprimento das resoluções do Conselho de Segurança da ONU sobre o conflito israelo-palestiniano. Três anos antes do actual conflito iniciado com o ataque do Hamas, o Presidente angolano já defendia o direito dos palestinianos a um Estado próprio com assento na ONU.
Deste modo, não há evidências que sustentem a tese de uma mudança na posição de João Lourenço em relação ao conflito israelo-palestiniano. O Presidente angolano tem sido coerente na defesa de uma solução baseada na coexistência de dois Estados, independentemente das flutuações nas relações entre Angola e os EUA.
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Avaliação do Polígrafo África: