Uma das mensagens partilhadas via WhatsApp expressa esse sentimento: “Os angolanos e o seu Governo não querem ceder Cabinda por causa do petróleo, e pouco se importam com os que morrem no conflito com a FLEC. Se quisessem parar com o som das armas, bastaria aprovar uma alteração constitucional para ceder aquele território há muito reivindicado, e todos viveriam em paz.”
De facto, há muito que sectores da sociedade cabindense, organizados em movimentos políticos e armados, reivindicam a autodeterminação, apoiando-se no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885 entre representantes do então Governo português e os príncipes, chefes e dignitários do reino de N’Goyo. Na óptica dos independentistas, esse tratado é prova de que Cabinda já detinha um estatuto de soberania, uma vez que celebrava tratados internacionais.
Contudo, esse entendimento não foi mantido nas disposições constitucionais e administrativas posteriores de Portugal. A Constituição portuguesa de 1933, por exemplo, ignorava o Tratado de Simulambuco ao classificar Angola e Cabinda como partes integrantes do Império Colonial Português. A formalização desta visão deu-se em 1956, com a promulgação do Decreto-Lei n.º 2757, que colocou Cabinda sob a administração do mesmo governador-geral de Angola, integrando-a como distrito deste território.
Essa perspectiva foi consolidada em 1975, aquando da assinatura do Acordo de Alvor entre Portugal e os movimentos de libertação de Angola. O documento reconhece explicitamente a unidade territorial do novo Estado, ao afirmar que “Angola constitui uma entidade una e indivisível nos seus limites geográficos e políticos”, considerando “Cabinda parte integrante e inalienável do território angolano”.
O mesmo entendimento é reiterado na Lei Constitucional da República Popular de Angola e nas constituições democráticas que se seguiram. A Constituição actualmente em vigor define o território nacional com base na configuração existente à data da independência, 11 de Novembro de 1975, abrangendo os actuais 1.246.700 km², de Cabinda ao Cunene e do Atlântico ao Leste.
Apesar desse quadro jurídico-político, persistem vozes em defesa da independência de Cabinda. Alguns defensores dessa causa sugerem que, para evitar mais derramamento de sangue, bastaria uma alteração constitucional que permitisse a secessão. Mas será essa proposta exequível à luz da Constituição angolana?
Segundo o jurista e docente universitário Serrote Hebo, tal pretensão não encontra amparo na actual Lei Magna. “Uma das possibilidades legalmente viáveis seria a atribuição de um estatuto de autonomia administrativa e financeira, mas nunca a separação total do território nacional”, afirma. Para Hebo, qualquer tentativa de alterar a Constituição com esse objectivo constituiria uma violação flagrante dos princípios estruturantes do Estado angolano.
O artigo 5.º da Constituição, sob a epígrafe “Organização do Território”, estabelece que “O território da República de Angola é o historicamente definido pelos limites geográficos de Angola, tais como existentes a 11 de Novembro de 1975”. O mesmo artigo, no seu ponto 6, dispõe ainda que “O território angolano é indivisível, inviolável e inalienável, sendo energicamente combatida qualquer acção de desmembramento ou de separação de suas parcelas, não podendo ser alienada parte alguma do território nacional ou dos direitos de soberania que sobre ele o Estado exerce.”
Além disso, o artigo 236.º da Constituição estabelece limites materiais à revisão constitucional, designadamente no que se refere à dignidade da pessoa humana, à independência e integridade territorial, à unidade nacional e à forma republicana de governo. Estes princípios não podem ser suprimidos nem modificados, mesmo em sede de revisão.
Assim, apesar da inquietação manifestada em certos círculos sociais e da persistência da tensão em Cabinda, a actual Constituição de Angola impede expressamente qualquer alteração que vise a separação de parte do seu território. Qualquer tentativa nesse sentido, mesmo sob pretexto de pôr termo a um conflito, colidiria com os pilares fundamentais do Estado angolano e da sua ordem jurídica.
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Avaliação do Polígrafo África: