“O artigo 43.º, que define as competências da presidente da Assembleia [Nacional], fala de organização, coordenação, nunca de impedimento. Criar uma interpretação que lhe atribua poder de veto sobre a acção de um deputado é uma distorção institucional grave.” Foi desta forma que Adalberto Costa Júnior, presidente da UNITA, reagiu à posição expressa por Carolina Cerqueira, através de uma nota lida pelo primeiro secretário da Mesa da Assembleia Nacional, Manuel Dembo.
O conflito entre a presidente do Parlamento e a bancada parlamentar da UNITA resulta do facto de os deputados deste grupo, também conhecidos como os “maninhos”, terem iniciado visitas de fiscalização a instituições públicas sem qualquer coordenação prévia com a presidente da Assembleia Nacional, nem com as entidades visitadas.
Como ficou patente em diversos vídeos amplamente divulgados, em várias instituições – como na morgue do Hospital Josina Machel, em Luanda -, os deputados da UNITA enfrentaram resistência por parte das direcções. Contudo, o cenário foi diferente no Ministério das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação: embora surpreendido pela visita, o ministro Carlos Alberto dos Santos delegou a recepção dos parlamentares a um dos seus secretários de Estado, alegando que se preparava para uma reunião.
Além das visitas não autorizadas, os vídeos publicados pelos deputados da UNITA, que expõem doentes e retratam condições degradantes, provocaram desconforto à presidente da Assembleia Nacional. Cerqueira não só condenou tais práticas como advertiu para a responsabilidade dos deputados envolvidos na divulgação das imagens.
Mas será verdade que a presidente da Assembleia Nacional não tem poderes para impedir a fiscalização dos órgãos do Governo por deputados?
Vários juristas questionados pelo Polígrafo África asseguram que não – embora reconheçam alguma ambiguidade na Lei Orgânica que aprova o Regimento da Assembleia Nacional.
O jurista e docente universitário Santana Manuel Francisco garante que os deputados detêm legitimidade conferida pelo sufrágio universal para exercerem funções de controlo junto das instituições governamentais, não necessitando, por isso, de autorização para realizar tais actos.
Também a jurista Yolene Vieira, em declarações ao Polígrafo África, assegura que o Regimento privilegia a acção de fiscalização no seio das Comissões de Trabalho Especializadas. No entanto, ao citar a alínea i) do artigo 24.º, sublinha que qualquer deputado, de forma individual, tem o direito de “formular pedidos de esclarecimento, nas Comissões de Trabalho Especializadas; aos ministros de Estado; aos ministros; aos governadores provinciais; aos titulares dos órgãos da Administração Pública e às demais entidades que administrem recursos públicos”.
No que respeita às competências da presidente da Assembleia Nacional, estabelecidas nos artigos 42.º e 43.º do Regimento, não se encontram prerrogativas explícitas que lhe atribuam poderes para vetar acções de fiscalização por parte dos deputados. A alínea f) do artigo 43.º refere, sim, que lhe compete “zelar pelo prestígio e decoro da Assembleia Nacional”, enquanto a alínea i) lhe confere a responsabilidade de “promover as relações com outras instituições nacionais e estrangeiras”.
Ainda assim, à afirmação de Adalberto Costa Júnior de que a presidente da Assembleia Nacional não tem poderes para impedir ou autorizar os actos de fiscalização dos deputados, o Polígrafo África atribui o selo “Verdadeiro, mas…”.
Isto porque a alínea e) do artigo 309.º estabelece que o deputado deve “não informar ou publicar os actos de fiscalização para outros órgãos ou serviços estranhos ao órgão que autorizou a missão”. Ou seja, subsiste uma ambiguidade legal quanto à identificação do órgão competente para autorizar essas diligências – se a própria Presidente da Assembleia Nacional, as Comissões de Trabalho Especializadas, ou o presidente do respectivo Grupo Parlamentar.
___________________________________
Avaliação do Polígrafo África: