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Nelson Bonavena diz que “as administrações municipais não estão na Constituição” e devem ser substituídas pelas autarquias. Tem fundamento?

Política
O que está em causa?
"Temos de lutar para que a Constituição da República seja realizada", defendeu o vice-presidente do Bloco Democrático, em entrevista à Rádio MFM.

Numa entrevista à Rádio MFM, em Luanda, a 24 de Outubro, Nelson Pestana Bonavena afirmou que “temos de lutar para que a Constituição da República seja realizada, senão estamos a dizer que a Constituição foi amputada, o seu título sexto não existe”.

O vice-presidente do Bloco Democrático (BD) deu um exemplo nesse sentido: “As administrações municipais não estão na Constituição, administrador municipal não está na Constituição. É uma coisa que vem do partido único e que foi continuando (…) e que eles [MPLA] querem consolidar porque querem o poder total, o poder hegemónico, quer no Governo Central, quer no poder local.”

Como tal, Bonavena defendeu que, no quadro da Constituição angolana, a figura da Administração Municipal deve ser substituída pelas autarquias. Mas, denunciou a criação de expedientes por parte das autoridades que, na sua perspectiva, visam “impedir a realização de eleições autárquicas“, como é o caso da nova “divisão política administrativa”.

É verdade que as administrações municipais não estão previstas na Constituição da República de Angola?

Em resposta ao Polígrafo África, o jurista Serrote Simão Ebo reconhece que a Lei Magna não se refere literalmente ao poder local como administração municipal, mas ressalva que prevê a sua existência na medida em que o Artigo 108.º estabelece que “o Presidente da República é o Titular do Poder Executivo“.

De acordo com a interpretação de Simão Ebo, cabe ao Presidente da República definir a “organização orgânica e funcional da Administração Pública, com base nos princípios da desconcentração e descentralização administrativa”.

“O princípio da desconcentração compreende as administrações provinciais, municipais, distritais e comunais, sendo que o princípio da descentralização compreende as autarquias locais. A própria Constituição estabelece que o funcionamento da Administração Pública é regulado por uma lei própria, que é a Lei da Organização e do Funcionamento dos Órgãos da Administração Local do Estado“, sublinha.

Importa salientar que a referida lei que regula o funcionamento da Administração Pública prevê literalmente a figura da Administração Municipal.

No seu Artigo 43.º, com a epígrafe “Natureza, atribuições e competência da Administração Municipal”, define a “Administração Municipal como o órgão desconcentrado da Administração do Estado na Província, que visa assegurar a realização de funções executivas do Estado no município” – sendo que, na execução de suas competências, “responde perante o Governo provincial“.

Por sua vez, o também jurista Frederico Batalha faz notar que a Constituição da República de Angola refere-se ao organismo de Administração Directa Central do Estado como ente composto pelo Presidente da República e seus auxiliares, como ministros e secretários de Estado. E que prevê, no seu Artigo 201.º, o funcionamento da Administração Directa Local que, de acordo com Batalha, é composto pelos Governos provinciais e direcções/delegações provinciais.

“A Administração Local do Estado é exercida por órgãos desconcentrados da Administração Central e visa assegurar, ao nível local, a realização das atribuições e dos interesses específicos da Administração do Estado na respectiva circunscrição administrativa, sem prejuízo da autonomia do poder local“, determina-se no Artigo 201.º da Constituição.

Para Batalha, a figura da Administração Municipal consta no número 4 do mesmo Artigo 201.º, no qual se estabelece que a “organização e o funcionamento dos Órgãos da Administração Local do Estado são regulados por lei“.

Em suma, não há uma referência literal às “administrações municipais” na Constituição, mas o facto é que estão previstas na Lei da Organização e do Funcionamento dos Órgãos da Administração Local do Estado.

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Avaliação do Polígrafo África:

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