É filho do reputado jornalista angolano, o malogrado Gustavo Costa, e é formado em Direito. Quando é que deu conta de que tinha inclinação para a stand-up comedy?
Olha, apercebo-me disso ainda em Portugal, quando estudava. Lá existia um programa muito popular chamado Levanta-te e Ri, e achei imensa piada àquilo, sem sequer saber bem o que era. Mais tarde, quando regresso a Luanda, trago comigo essa curiosidade. Como disseste, sou filho de jornalista e, por isso, cresci sempre rodeado de informação em casa, embora sem perceber muito bem o que fazer com ela. O jornalismo trata a informação de forma muito séria, e eu nunca achei muita graça a essa seriedade toda.
No curso de Direito, aprendi a desconstruir narrativas, e isso ajudou-me a olhar para as coisas de outro modo. Ao regressar, percebi que podia usar toda essa bagagem informativa de uma forma mais leve e divertida, desconstruindo a informação através do humor. Foi assim que surgiu a ideia de criar um espaço onde os humoristas pudessem actuar livremente. Dessa ideia nasceu o Goz’Aqui, uma plataforma pensada, na altura, como um palco exclusivo para a stand-up comedy.
Estamos a falar de que ano?
Portanto, criei o Goz’Aqui em 2012, foi o ano em que regressei a Luanda e comecei a trabalhar. Surgiu então a oportunidade e, nesse mesmo ano, dei o primeiro passo para a criação do Goz’Aqui, um espaço pensado para humoristas. Já a minha entrada efectiva no stand-up comedy aconteceu mais tarde, em 2018.
Esta foi a forma que encontrou para, de algum modo, dizer ao seu pai que também queria seguir o jornalismo?
Não. Por acaso, sempre falámos disso em casa, e o meu pai nunca quis que eu fosse jornalista. Eu também nunca achei muita graça… O meu pai era um verdadeiro workaholic, trabalhava constantemente. E eu nunca compreendi como é que alguém podia estar em casa à hora do almoço e, ainda assim, não se sentar à mesa com a família porque estava a trabalhar. Cresci nesse ambiente e, sinceramente, nunca gostei muito dessa imagem de “trabalho, trabalho, trabalho”.
A certa altura pensei: se é para trabalhar, que ao menos se ria um pouco, que se relaxe de alguma forma. Portanto, a ideia de ser jornalista nunca esteve nos meus planos. Mas sempre soube que tinha uma inclinação para as letras, para as palavras, daí ter escolhido o curso de Direito.
É vaidoso por ser filho do Gustavo Costa, uma referência do jornalismo angolano?
As pessoas… como é que posso dizer isto? Surpreendentemente, o meu maior orgulho não vem do meu pai, mas sim do pai do meu pai, do meu avô. Tenho, claro, muito orgulho e alguma vaidade por ser filho do Gustavo Costa, mas a verdade é que o meu pai só pôde ser quem foi porque antes dele houve um visionário: o meu avô. Esse, sim, era o verdadeiro “dread”, estás a ver? Portanto, tenho plena noção da origem daquela grande figura que o meu pai foi, e essa origem está no meu avô. Para teres uma ideia, o meu avô ainda nem terminou o ciclo de condecorações e já teve dois filhos condecorados. O meu pai, por exemplo, nunca chegou a ter um filho condecorado.
Mas por que razão fala mais do seu avô e não do seu pai?
Tirando o facto de ele ter saído de Malanje com uma mão à frente e outra atrás, trouxe todos os filhos para Luanda e pôs toda a família a estudar. A certa altura, percebeu que isso não bastava. Então, decidiu ele próprio voltar a estudar, na mesma escola, na mesma sala que os filhos, para que eles vissem e não tivessem a mínima hipótese de falhar.
Era um homem de uma visão extraordinária. Dez anos antes de morrer, já tinha o testamento feito, tudo organizado, tudo preparado. E, curiosamente, dez anos depois da sua morte, os filhos ainda não conseguiram alcançar o nível de organização que ele tinha. Foi, sem dúvida, um homem muito, mas muito à frente do seu tempo.
Vamos regressar ao humor. É possível viver exclusivamente do humor em Angola?
Sim, definitivamente. Partindo do princípio de que o Governo indica que cada pessoa vive com menos de 100 dólares, ou cerca de 100 mil kwanzas por mês, hoje em dia podes fazer um show a dez mil kwanzas. Se fizeres um show por dia, são 300 mil kwanzas ao fim do mês. Portanto, é claro que é possível viver do humor em Angola. Agora… se vives como um ministro, não, aí já não vives.
Há humoristas que realizam 30 shows por mês?
Acho que não temos mercado para 30 shows por mês, mas existe um mercado orgânico. O que acontece, e acontece com frequência, é haver vários eventos ao fim de semana. Por exemplo, num sábado, há humoristas que actuam em dois ou três casamentos. Esses dois ou três espectáculos acabam por compensar os dias de segunda, terça e quarta-feira, que são mais parados. Já na quinta e na sexta, costuma haver mais movimento. Portanto, é possível equilibrar o trabalho, mas não temos um mercado em que haja shows de segunda a segunda. E, para ser honesto, estamos a concorrer com muita coisa, inclusive com a questão da segurança, ou melhor, da falta dela.
Quantas pessoas trabalham actualmente consigo no Goz’Aqui?
Olha, neste momento sou empregado do Goz’Aqui. Despedi-me e contratei pessoas para gerir a empresa, porque eu sou, essencialmente, um criativo.
Ou seja, é um empregado accionista…
Exactamente, é isso mesmo. Neste momento, temos dois ou três trabalhadores fixos, depois cinco ou seis prestadores de serviços, e ainda os humoristas que colaboram connosco de forma sazonal, sempre que há espectáculos ou algum tipo de agenciamento. É assim que funcionamos.
Como garante a sustentabilidade do seu projecto?
Ora bem, o Goz’Aqui vai fazer 13 anos, e hoje temos o nosso próprio espaço. Esse espaço é alugado para diferentes fins, gravações de vídeos, produções audiovisuais e muito mais. Já temos tudo preparado: câmaras, microfones, iluminação… Imagina que queres produzir o teu próprio programa, por exemplo, para o teu canal de YouTube, nós disponibilizamos o espaço, o equipamento e até podemos fazer a transmissão em directo, em live streaming, directamente para o teu canal. É assim que conseguimos garantir a sustentabilidade do projecto.
Têm recebido muita solicitação?
Vai aparecendo, vai aparecendo… Gostava que fosse algo mais frequente. Por exemplo, há algum tempo que tenho vontade de ter um programa de economia, um formato em que um economista estivesse todos os dias, das oito às nove, a fazer o seu programa. Gostava de ter essa regularidade, essa dinâmica. Ainda não chegámos a esse nível, mas a verdade é que temos um espaço equipado e funcional. Agenciamos humoristas para bares e empresas, alugamos câmaras, microfones, e até temos drone, que, por acaso, não é humano (risos). Ou seja, o negócio foi crescendo naturalmente.
Chegou um ponto em que percebemos que não precisávamos apenas de produzir os nossos próprios conteúdos, mas também podíamos receber outros criadores que quisessem produzir os seus projectos no nosso espaço. Só para dar um exemplo: esta semana vamos exibir o documentário sobre o [músico] Bonga, com duas sessões no nosso auditório. E, na semana passada, tivemos três sessões esgotadas, sexta, sábado e domingo, de uma peça de teatro de outro cliente. E assim vamos seguindo, com bastante movimento.
Lembro-me que, quando regressou ao país, trabalhava numa seguradora…
Não. Eu trabalhava no Banco BNI, e foi o próprio BNI que abriu uma seguradora.
Na verdade, era funcionário do BNI. Deixou a actividade bancária para se dedicar em exclusivo ao humor e ao seu projecto. Está arrependido? Tem hoje mais receitas financeiras do que quando trabalhava na banca?
Só para corrigir: a minha actividade não era propriamente bancária. Eu estava no banco, sim, mas trabalhava na área de Comunicação e Imagem, que sempre foi, aliás, a minha área.
Na verdade, o único sítio de onde me arrependo verdadeiramente de ter saído é da Embaixada dos Estados Unidos. Foi o meu primeiro emprego e, fazendo as contas, se lá tivesse continuado até hoje, provavelmente estaria a ganhar uns oito ou nove paus.
O que são oito a nove paus?
Nove mil dólares. Eu trabalhava como relações públicas na Embaixada dos Estados Unidos, e eles têm um plano de carreira muito bem estruturado. Portanto, a esta altura do campeonato, eu poderia estar a ganhar entre oito e dez mil dólares, e lá o salário é pago de duas em duas semanas. Financeiramente, é a única coisa que me faz pensar: “se eu soubesse…”. Mas, na verdade, quando saí da embaixada, fi-lo porque já não me revia naquilo. E se eu não me revejo num trabalho, não posso defender as suas cores. Prefiro afastar-me.
O seu pai foi considerado um dos maiores jornalistas do seu tempo em Angola. É dele que vem a sua veia crítica e satírica?
Vou dizer-te o seguinte: embora fosse fácil afirmar que vem do meu pai, o meu histórico familiar mostra que isso já vem de muito antes. Do lado da minha mãe, por exemplo, o meu bisavô — branco, nascido em Angola — escreveu uma carta ao governador da época a mandá-lo, literalmente, “para o raio que o parta”, porque achava que nada estava a ser feito pelo país. Acabou preso por isso. O filho dele, o meu avô Bessa, também foi preso pela PIDE. Era um homem que lutava pelos interesses dos angolanos.
O meu pai, como bem te lembras, escreveu um artigo em que denunciava a existência de gatunos no Governo de José Eduardo dos Santos, e também foi preso. Portanto, se me disseres que a minha veia crítica vem só do meu pai, direi que isso é o mais óbvio. Mas, na verdade, acredito que é uma tradição da minha família lutar pelos interesses de Angola. Eu próprio fui estudar com essa missão: “vai estudar para voltares e ajudares o teu país”. E foi isso que fiz.
Hoje, o meu trabalho diário é exactamente esse — contribuir, à minha maneira, para o desenvolvimento de Angola. Aparentemente, alguns governantes não querem que eu o faça, mas esse é o meu trabalho, a minha sina.
Já que estamos a falar de política, como avalia o percurso do país nos últimos 50 anos, sobretudo nos domínios político, económico, social e cultural?
Péssimo, péssimo.
Não basta dizer “péssimo”… tem de justificar…
Fiz 40 anos, portanto dei-vos dez anos de avanço desde a independência, e, mesmo assim, não conseguiram fazer nada. Quarenta anos depois, o que eu sinto, o que eu vivo, é que estamos piores.
Piores porquê?
Porque temos mais condições, mais conhecimento e mais dinheiro, e, ainda assim, fizemos menos. Ao longo do tempo, fizemos cada vez menos. Não é apenas uma impressão minha; os números não me deixam mentir. Durante o tempo do [Presidente] Eduardo dos Santos, falava-se, — e é uma vergonha o que vou dizer, uma vergonha para nós, angolanos — de mais de um milhão de crianças fora do sistema de ensino. Este ano, li a ministra da Educação a anunciar dois milhões de crianças fora do sistema. Dois milhões! E, sinceramente, tenho a impressão de que esse número nem é exacto. Alguém do MPLA chegou a corrigir-me, dizendo que, afinal, são quatro milhões.
Portanto, na minha perspectiva, sem educação não se pode ser um bom político, um bom economista, um bom professor, ou um bom profissional em qualquer área. E, por isso, acredito que as coisas estão a piorar.

“Desde que me conheço como gente, o MPLA não me serve — e já nem se serve a si próprio”
Resumidamente, na sua opinião, temos sido mal governados nos últimos 50 anos?
Temos sido mal governados. Não consigo precisar se são exactamente 50 anos, mas, desde que me conheço como gente, o MPLA não me serve, não nos serve — e, ultimamente, temos visto que já mal se serve [a si próprio].
Diria que a oposição faria melhor?
Não. Estou cada vez mais convencido de que a oposição tem de ser o MPLA. É-me indiferente quem venha a ser governo. Acho que o que nós precisamos, neste momento, é de um MPLA na oposição.
Porquê?
Porque eu não acredito — e sei que tu também não acreditas [deixa-me só piscar-te o olho] — que o MPLA admitisse, na oposição, aquilo que o próprio MPLA nos faz enquanto governo. É tão simples quanto isso.
Na sua opinião, qual é a verdadeira solução para Angola?
A verdadeira solução para Angola… uau! Na minha perspectiva, passa por ter o MPLA na oposição — até para nós, enquanto angolanos, enquanto sociedade, percebermos que é só isso mesmo, não é nenhum bicho de sete cabeças. Não é azar, não acontece nada de extraordinário. No dia seguinte, continuamos a trabalhar, continuamos a fazer coisas, porque o país continua a precisar de ser desenvolvido.
Em primeiro lugar, acho que precisamos de mudar o mindset. E uma parte dessa mudança só vai acontecer se o MPLA for para a oposição — de forma democrática. Porque, sinceramente, também acredito que, como não estão habituados a perder, o mais provável é entrarem em conflito interno, começarem a matar-se entre si, como já se tem visto… e, depois, acabarem por nos matar cá fora.

“O problema de Angola não é a Constituição, são os homens que a manipulam”
Concorda com o actual modelo de eleição do Presidente da República? Qual seria o ideal?
Eu acho que, e aqui vou um bocadinho mais longe, talvez por causa da minha formação em Direito, o problema não está na nossa Constituição. O problema está nas pessoas. Porque podes ter muitos poderes, mas isso não significa que devas abusar deles. A grande diferença é essa: o abuso. Ter todos os poderes não quer dizer que tenhas de os usar todos. A Constituição é o que é — feita por homens, e portanto, discutível. Não estou a dizer que concordo com ela em tudo. O que quero dizer é que, mais do que mudar a Constituição, precisamos de ter bons homens. E nós não temos bons homens.
Temos homens carrancudos, homens em que paira a vingança. Temos homens com fome, e, pior ainda, com ganância. Digo ganância e não ambição, porque ambição é querermos todos um país melhor; ganância é querer tudo só para si. E é disso que estamos cheios: de gente que não merece estar onde está.
Como observa o nível de desinformação no país? A sua principal proveniência está nos partidos políticos?
É geral. É completamente geral, porque há muitos anos, e eu já nem sei se alguma vez cumprimos o que assinámos com a OMS ou com a UNICEF em relação ao orçamento mínimo para a educação — decidimos, enquanto país, não priorizar a educação. Escolhemos colocar tudo à frente dela. O resultado é este: ao priorizarmos tudo menos a educação, os militantes ficaram ignorantes, os cidadãos ficaram ignorantes, e os ministros são ignorantes. Tudo se tornou medíocre. Tudo está abaixo daquilo que deveríamos ser como país que aspira ao desenvolvimento.
E digo-te isto com toda a vontade: tudo é medíocre. A prova é que, quando aparece alguém um pouco mais “fora da caixa”, nós rejeitamos. E o mais curioso é que essa pessoa nem está fora, apenas faz o que deve ser feito. Mas nós rejeitamos. É tão simples quanto isso.
Nos seus sketches e vídeos, recorre muitas vezes à ironia e ao exagero. Acha que o humor pode ser uma ferramenta eficaz contra a desinformação?
Eventualmente, trabalho nisso. Acho que, nesta era das redes sociais, tudo se tornou mais difícil para nós, países subdesenvolvidos. Porque, justamente na altura em que devíamos aprender a separar o trigo do joio, o próprio trigo e o joio estavam misturados. Durante muito tempo, acreditámos cegamente na TPA. Houve um tempo em que o Jornal de Angola era a principal fonte de informação. Só que o tempo foi passando, nós fomos crescendo, amadurecendo, e percebemos que tanto a TPA como o Jornal de Angola são instrumentos do Estado para fazer passar a sua mensagem, não a mensagem dos angolanos, mas a de um grupo de pessoas que quer manter-se no poder.
Então, quando alguém surge e “fura o balão da verdade”, torna-se muito mais difícil distinguir o que é real do que é manipulado. No fundo, nunca soubemos, de facto, o que era a verdade, porque até a própria verdade vinha “mexida”.
Hoje, quando aparece qualquer notícia, as pessoas tendem a aceitar de imediato aquilo que confirma o seu preconceito, aquilo que já trazem na cabeça. Por isso, é muito fácil espalhar uma desinformação, por exemplo, de que “um ministro desviou dinheiro”. A probabilidade de acreditares nisso é muito maior do que a de questionares. Porquê? Porque a experiência mostra — e a história confirma — que os ministros, de facto, desviam.
Mas hoje o mundo é uma aldeia global… é possível checar as informações.
As pessoas que têm como verificar são aquelas que foram educadas para pensar. Maurício, nós não fomos educados para pensar — fomos educados para obedecer. Na faculdade, podias questionar? Eu sei que é na faculdade que se deve questionar, mas, na nossa cultura, isso não é normal. E, se não é normal questionar, como é que se desenvolve o pensamento crítico, se nem sequer aprendemos a pensar sobre o que pensamos?
Em condições normais, sim, no resto do mundo é assim que se faz. Em Angola, infelizmente, não.

“Fiz humor para transformar o drama nacional numa gargalhada com sentido”
Até que ponto sente que o humor pode ajudar o público a pensar criticamente sobre o que lê e ouve?
Olha, faço humor precisamente para transformar o drama em comédia, ou, pelo menos, torná-lo mais leve. E, nesse processo, como baseio o meu trabalho em muita informação verídica, gosto da ideia de mostrar um caminho.
O meu caminho não é o certo, é apenas um caminho. Isso quer dizer que há vários, e cada pessoa pode seguir o seu. Depois, logo se vê. Eu não tenho verdades absolutas. Mas há determinadas coisas que, para mim, já não colam, já não fazem sentido. E, em condições normais, com o humor, é possível mostrar caminhos, fazer as pessoas pensar sem as forçar a isso.
Há quem diga que os humoristas são os “fact-checkers informais” da sociedade. Identifica-se com essa ideia?
Gosto da ideia de pensar que faço humor de observação. Gosto da ideia de que acontece alguma coisa e recebo uma mensagem de alguém a dizer: “Vamos fazer piada disso?” ou “Já fizemos piada disso?”. Gosto de saber que, quando algo acontece, as pessoas pensam em mim.
Por exemplo, na semana passada, o Xé Agora Aguenta anunciou um novo programa de debates e disse que teria “apoiantes das políticas do Executivo versus críticos”. Começaram logo a marcar-me. Gosto muito dessa associação, gosto que se lembrem de mim nesses contextos, embora, neste caso concreto, não se aplicasse.
E porquê? Porque eu não considero que o Executivo tenha políticas públicas. Se deixas quatro milhões de crianças fora do sistema de ensino, estás a fazer tudo menos política pública. Não tens apoiantes de políticas públicas — tens cúmplices dos teus próprios interesses pessoais.
Já foi alvo de críticas ou pressões por alguma piada ou comentário considerado “incómodo”?
Claro que sim.
Conta-nos… dá-nos exemplos.
Várias vezes, várias vezes. Olha, há pouco tempo foi um teu colega, que agora trabalha noutras bandas. Eu fiz uma piada sobre o Presidente e, depois de anos a tentar, sem sucesso, convidar alguém para o Goza TV — até porque ele podia ter ajudado a fazer essa ponte, de repente, recebo uma mensagem dele. Ele envia-me a própria piada e diz: “Epá, isso é um bocado exagerado. Se calhar é uma ofensa. Não sei se o teu pai ia gostar de uma coisa dessas.”
De quem se trata?
Não interessa, não interessa. A pessoa, em si, não interessa, o que importa é o conteúdo. Achei a situação estranha. Primeiro, estás a falar do meu pai, mas quando ele morreu nem me ligaste para dar as condolências. Nem uma mensagem. E agora vens citar o meu pai? Fiquei a pensar: “Mas eu é que sou o estúpido aqui? Está bem, tudo bem.”
Depois, mandas-me uma mensagem sem dizer: “Boa tarde, por…” — e eu pergunto-me: mas nós andamos juntos? É uma questão de educação. Lá está: quando me vens chamar a atenção, acabas por provar aquilo que eu digo — que não há educação.
Por acaso, respondi: “Olha, a piada está aí, e é objectiva. Se te sentes incomodado, força, isso já é interpretação.” Isso mostra que a piada é arte, e a arte é subjectiva. Tu interpretas de uma maneira, outra pessoa interpreta de outra.
Alguma vez se autocensurou por receio das reacções do público ou das autoridades?
Todos os dias. Todos os dias faço esse exercício. Há muita bandidagem no país, e é fácil chegar a um ponto em que já não tem graça e começas a ofender, por isso, sim, existe uma forma de autocensura. Há piadas que escrevo mas não partilho, porque percebo que não estão em tom de piada, estão mais para desabafo. E eu quero que seja piada, objectivamente. Se me quiserem levar a tribunal, que seja por causa da piada, não por causa da minha opinião. Quando tiver de dar a minha opinião, dou-a, mas são coisas diferentes.
Portanto, sim, várias vezes o exercício de fazer humor envolve alguma censura. Mas atenção: não estou a dizer que o humor tem limites. Acho que se pode fazer piada com tudo, apenas é preciso ter cuidado. Até porque estamos num país onde, às vezes, as pessoas não precisam de muito para se sentirem ofendidas.
Com a expansão das redes sociais, as fronteiras entre humor e desinformação tornaram-se mais difusas. Já teve de desmentir algum conteúdo humorístico que foi levado a sério pelo público?
Não. Graças a Deus, tudo o que fazemos é, objectivamente, humor. Nunca tive de desmentir nada que fosse uma piada. Já aconteceu, sim, sair o meu nome em fake news, e, nesses casos, posso ou não sentir necessidade de desmentir. Às vezes, simplesmente, não quero saber. Prefiro ignorar.

“O verdadeiro fact-check começa na escola — e nós nem escola temos”
Se pudesse criar um fact-check humorístico sobre Angola, que mito ou frase recorrente gostaria de desmontar primeiro?
Se eu tivesse de criar um programa de verificação, seria sobre um conceito que para mim é quase uma marca: a falta de escola, que, no fundo, é a falta de educação. Tudo em Angola desemboca nisso. Se eu for à origem de qualquer problema, acabo sempre por encontrar o mesmo diagnóstico: falta de educação. É nisso que acredito. Ainda acho que, se tiveres uma má escola, vais ser um mau enfermeiro. E um mau enfermeiro acabará por ser um mau médico, e depois um mau director de clínica. É uma cadeia. Tudo começa na base — na educação.
Que Angola teremos nos próximos 50 anos?
Estou completamente convencido de que as próximas gerações não vão permitir, nem repetir, a mesma porcaria que nós fizemos.
Em Angola, corre-se o risco de termos uma fúria semelhante à da “Geração Z”, que já abalou três países africanos, nomeadamente Madagáscar, Quénia e Marrocos?
Nós já temos isso a acontecer. E essa é a pergunta que devia ser feita aos políticos. Cabe-lhes saber ler os tempos e não deixar que a Geração Z tome conta das coisas.
Este é o caminho ideal que deve ser seguido?
Não, não é o caminho ideal, mas é um problema que pode vir a acontecer.
Agora, o ideal também não é continuarmos com meia dúzia de pessoas muito ricas e a maioria dos angolanos a viver na pobreza. Um dia, o país vai ter de pôr isso na balança e decidir: quer continuar na mesma ou prefere arriscar uma desgraça nova?
Como surge o GozaTV?
Estava a ver o programa Hora Quente e vi o Pedro N’zagi a conversar com a Ary. Ela falava sobre um novo álbum e eu pensei: “Ok, Ary, música, está tudo bem… mas eu gostava mesmo era de te ouvir falar sobre como é ser mulher em Angola, como é lidar com estes bandidos todos”. Tudo isso passou-me pela cabeça. Então, em vez de ir para a internet criticar o Pedro, até porque sabia as limitações que ele tinha na TPA, decidi criar o meu próprio mambo. Quis ter um espaço onde pudesse receber a Ary para falar dela como mãe, como cidadã, neste país machista.
Era sobre isso que eu queria conversar. Porque as pessoas já sabem quem é a Ary, quem é o Yuri da Cunha, quem é a Yola Semedo, mas a Yola e o Yuri também são pessoas, também têm as suas necessidades, e eu queria explorar esse lado. Graças a Deus, tem corrido bem.

